Cuidados

Mastocitoma em Cães: Um Guia Completo para Tutores

O diagnóstico de câncer em um animal de estimação é sempre um momento desafiador para os tutores. Entre as diversas neoplasias que podem afetar nossos amigos de quatro patas, o mastocitoma canino se destaca por sua frequência e comportamento imprevisível. Este tipo de tumor, que se origina dos mastócitos ‒ células do sistema imunológico envolvidas em reações alérgicas e inflamatórias ‒, pode variar de uma lesão benigna e facilmente tratável a uma forma agressiva e com alto potencial de metástase. Compreender o mastocitoma é crucial para tutores e profissionais da saúde veterinária, pois o conhecimento sobre suas características, sintomas, diagnóstico e opções de tratamento pode fazer toda a diferença no prognóstico e na qualidade de vida do animal. Este artigo visa fornecer um guia completo sobre o mastocitoma em cães, abordando desde sua definição até as estratégias de manejo e prevenção, com o objetivo de informar e capacitar os tutores a agirem de forma proativa na saúde de seus companheiros caninos.

O que é Mastocitoma?

O mastocitoma canino é uma neoplasia que se desenvolve a partir da proliferação anormal e descontrolada dos mastócitos. Essas células, que normalmente residem em diversos tecidos do corpo, como pele, trato gastrointestinal, pulmões e medula óssea, desempenham um papel fundamental na resposta imune, especialmente em processos alérgicos e inflamatórios, liberando substâncias como histamina, heparina e enzimas proteolíticas. Quando os mastócitos se tornam cancerosos, eles formam tumores que podem se manifestar de diversas formas e em diferentes localizações. Embora a pele seja o local mais comum para o desenvolvimento de mastocitomas, eles também podem surgir em órgãos internos, como o baço, fígado, linfonodos e medula óssea, o que os torna uma das neoplasias mais versáteis e, por vezes, desafiadoras de diagnosticar e tratar [1, 2].

A imprevisibilidade do mastocitoma é uma de suas características mais marcantes. Um tumor que parece inofensivo na superfície pode, na verdade, ter um comportamento biológico agressivo, enquanto outros, de aparência mais preocupante, podem ser benignos. Essa variabilidade torna essencial uma abordagem diagnóstica e terapêutica cuidadosa e individualizada para cada caso. A compreensão da natureza dos mastócitos e de como eles se comportam no contexto neoplásico é o primeiro passo para um manejo eficaz dessa condição em cães.

Sintomas e Aparência

Os mastocitomas são frequentemente chamados de “grandes pretensiosos” devido à sua capacidade de mimetizar uma variedade de outras condições cutâneas, como picadas de insetos, verrugas, reações alérgicas ou cistos. Essa característica torna a identificação visual um desafio e reforça a necessidade de avaliação veterinária para qualquer nódulo ou alteração na pele do cão [2].

Aparência e Localização

Os mastocitomas podem apresentar uma ampla gama de aparências. Eles podem ser elevados ou achatados, macios ou firmes ao toque, e a pele ao redor pode estar intacta ou apresentar falhas, como úlceras. O tamanho e a cor também são variáveis, podendo ser pequenos nódulos isolados ou grandes massas ulceradas, vermelhas e inflamadas. Alguns tumores podem ter um crescimento rápido, enquanto outros permanecem estáveis por meses ou até anos. É importante notar que alguns mastocitomas podem variar de tamanho devido à resposta inflamatória, o que pode levar a uma falsa impressão de melhora ou piora [1, 2].

Embora possam surgir em qualquer parte do corpo, os mastocitomas cutâneos são mais frequentemente encontrados na pele dos membros e do tronco. No entanto, também podem aparecer na cabeça, pescoço e mucosas, como boca, vulva e pênis. Tumores localizados em junções mucocutâneas tendem a ser mais agressivos [1]. Em casos mais raros, a doença pode se generalizar, afetando múltiplos órgãos internos, uma condição conhecida como mastocitose ou leucemia de mastócitos [2].

Sintomas Sistêmicos e Degranulação

Além da presença do nódulo, os mastocitomas podem causar sintomas sistêmicos devido à liberação de substâncias vasoativas, como a histamina, pelos mastócitos tumorais. Essa liberação pode levar à síndrome paraneoplásica, que inclui uma variedade de sintomas não diretamente relacionados ao crescimento do tumor em si, mas sim aos efeitos das substâncias liberadas. Os sintomas mais comuns incluem: [1, 2]

Problemas gastrointestinais: Vômitos, diarreia, perda de apetite e, em casos mais graves, úlceras gástricas e intestinais com sangramento (melena ‒ fezes escuras e com sangue digerido). Isso ocorre porque a histamina estimula a produção de ácido gástrico.

Coceira e inchaço: A liberação de histamina na pele pode causar coceira intensa (prurido), vermelhidão e inchaço ao redor do tumor ou em outras áreas do corpo. O ato de coçar, lamber ou manipular o tumor pode desencadear a degranulação, exacerbando esses sintomas.

Perda de peso: Em casos avançados ou com envolvimento sistêmico, a perda de peso pode ser um indicativo da progressão da doença.

Distúrbios hormonais: Embora menos comuns, podem ocorrer alterações hormonais.

É crucial que os tutores evitem palpar ou manipular excessivamente os tumores, pois isso pode provocar a degranulação e piorar os sintomas. O uso de colar elisabetano pode ser recomendado para evitar que o cão coce ou lamba a lesão. O tratamento de suporte com antiácidos (como omeprazol) e anti-histamínicos (como difenidramina) é frequentemente utilizado para mitigar os efeitos da degranulação e melhorar o conforto do animal [2].

Diagnóstico

O diagnóstico preciso do mastocitoma é fundamental para determinar o prognóstico e o plano de tratamento mais adequado. Devido à sua capacidade de se assemelhar a outras lesões cutâneas, a avaliação veterinária é indispensável para qualquer massa ou alteração suspeita na pele do cão [2].

Citologia Aspirativa por Agulha Fina (CAAF)

O método diagnóstico inicial e mais comum para mastocitomas é a citologia aspirativa por agulha fina (CAAF). Este procedimento é minimamente invasivo, rápido e geralmente pode ser realizado na própria clínica veterinária. Consiste na coleta de uma pequena amostra de células do tumor usando uma agulha fina e uma seringa. As células aspiradas são então espalhadas em uma lâmina de microscópio, coradas e examinadas por um patologista veterinário. A presença de mastócitos atípicos, muitas vezes com grânulos citoplasmáticos característicos, confirma o diagnóstico de mastocitoma. O resultado da CAAF pode ser obtido em 24 horas, permitindo um diagnóstico rápido e a tomada de decisões iniciais [1, 2].

Biópsia e Histopatologia

Embora a CAAF seja excelente para o diagnóstico inicial, a biópsia tecidual é indispensável para a classificação histológica do tumor. A biópsia envolve a remoção cirúrgica de uma amostra de tecido do tumor, que é então processada e examinada microscopicamente por um patologista. A histopatologia permite determinar o grau de agressividade do tumor, a profundidade da invasão e se as margens cirúrgicas estão livres de células cancerosas. A classificação histológica é crucial para o prognóstico e para guiar o tratamento [1, 2].

Tradicionalmente, os mastocitomas são classificados em três graus histológicos: [1]

Grau I (Bem Diferenciado): Considerado de baixo grau, com comportamento geralmente benigno e baixo potencial de metástase.

Grau II (Moderadamente Diferenciado): Apresenta um comportamento variável. Uma parte significativa pode ser benigna, mas uma porcentagem considerável tem potencial para metastatizar.

Grau III (Pouco Diferenciado): Considerado de alto grau, com comportamento maligno e alto potencial de metástase e recorrência.

Mais recentemente, um sistema de dois graus (alto grau e baixo grau) tem sido utilizado, simplificando a classificação e fornecendo informações prognósticas mais claras. Tumores de alto grau têm um prognóstico significativamente pior, com uma sobrevida média de menos de quatro meses, enquanto tumores de baixo grau têm uma sobrevida média superior a dois anos [2].

Estadiamento e Painel Prognóstico

Após o diagnóstico e a classificação histológica, o estadiamento da doença é essencial para determinar a extensão do câncer no corpo do animal. Isso pode incluir: [1, 2]

Avaliação dos linfonodos regionais: A palpação e, se necessário, a biópsia ou CAAF dos linfonodos próximos ao tumor são importantes para verificar a presença de metástases.

Exames de imagem: Ultrassonografia abdominal para avaliar órgãos internos como baço e fígado, e radiografias torácicas para verificar metástases pulmonares.

Exames de sangue e medula óssea: Em alguns casos, podem ser realizados para detectar a disseminação da doença.

Um painel prognóstico adicional, que avalia o Índice Mitótico, o padrão de distribuição celular do c-KIT e a quantificação dos AgNOR, pode fornecer informações valiosas sobre o comportamento biológico do tumor, especialmente em mastocitomas de Grau II, onde o comportamento é mais imprevisível. Esses parâmetros indicam a taxa de multiplicação celular e a atipia, que são sinais de agressividade [1].

Tratamento

O tratamento do mastocitoma canino é multifacetado e depende de diversos fatores, incluindo o grau histológico do tumor, seu estadiamento, localização, tamanho, presença de metástases e a saúde geral do cão. O objetivo principal é remover ou controlar o tumor e melhorar a qualidade de vida do animal [1, 2].

Cirurgia

A cirurgia é a modalidade de tratamento mais comum e, muitas vezes, a mais eficaz para mastocitomas, especialmente para tumores de baixo grau sem evidência de metástase. O sucesso da cirurgia depende da remoção completa do tumor com margens cirúrgicas amplas (geralmente 2-3 cm de tecido saudável ao redor do tumor) e profundas. Isso minimiza o risco de recorrência local. Para mastocitomas de Grau I, a cirurgia pode ser curativa [1, 2].

Em casos onde as margens cirúrgicas não estão livres de células tumorais (margens sujas), ou em tumores de alto grau, a cirurgia pode ser seguida por terapias adicionais para reduzir o risco de recorrência e metástase [1].

Radioterapia

A radioterapia é uma opção de tratamento eficaz para mastocitomas que não podem ser completamente removidos cirurgicamente devido à sua localização (por exemplo, em extremidades ou face) ou quando as margens cirúrgicas estão comprometidas. Também pode ser utilizada em tumores de alto grau para controle local da doença [2].

Quimioterapia

A quimioterapia é geralmente recomendada para mastocitomas de alto grau, tumores com evidência de metástase, ou em casos onde a cirurgia não foi curativa. Os protocolos de quimioterapia podem incluir fármacos como vinblastina, lomustina e corticosteroides (prednisolona). A quimioterapia visa destruir as células cancerosas remanescentes e prevenir a disseminação da doença. Em mastocitomas de Grau II, a decisão de usar quimioterapia é baseada na avaliação de fatores prognósticos adicionais [1, 2].

Terapias Alvo (Inibidores de Tirosina Quinase)

Novas terapias direcionadas, como os inibidores de tirosina quinase (por exemplo, masitinib e toceranib ‒ Palladia®), têm se mostrado promissoras no tratamento de mastocitomas, especialmente aqueles com mutações no gene c-KIT ou em tumores não operáveis ou recorrentes. Esses medicamentos atuam bloqueando vias de sinalização específicas que promovem o crescimento e a sobrevivência das células tumorais [1, 2]. Outros medicamentos, como o tigilanol tiglate (Stelfonta®), são projetados para cortar o suprimento sanguíneo do tumor, levando à sua destruição [2].

Cuidados de Suporte

Independentemente do tratamento principal, os cuidados de suporte são essenciais para gerenciar os sintomas e melhorar a qualidade de vida do cão. Isso inclui o uso de antiácidos (como omeprazol ou famotidina) para prevenir ou tratar úlceras gástricas causadas pela liberação de histamina, e anti-histamínicos (como difenidramina) para controlar a coceira e o inchaço [1, 2].

Prognóstico

O prognóstico do mastocitoma canino é altamente variável e depende de uma combinação de fatores, incluindo o grau histológico, o estadiamento da doença, a localização do tumor, a presença de metástases, a raça do cão e a resposta ao tratamento [1, 2].

Grau Histológico: Tumores de Grau I geralmente têm um prognóstico excelente com a remoção cirúrgica completa. Tumores de Grau III, por outro lado, têm um prognóstico reservado, com alta probabilidade de metástase e recorrência. O Grau II é o mais imprevisível, exigindo uma avaliação cuidadosa de outros fatores prognósticos [1, 2].

Estadiamento: A presença de metástases em linfonodos ou órgãos internos piora significativamente o prognóstico [2].

Localização: Mastocitomas em junções mucocutâneas (boca, vulva, pênis) e em áreas de difícil remoção cirúrgica (como extremidades) tendem a ter um prognóstico menos favorável [1].

Raça: Embora qualquer raça possa ser afetada, algumas raças, como Boxers, Pugs e Bulldogs, são predispostas a desenvolver mastocitomas. Curiosamente, em Boxers, os tumores tendem a ser menos agressivos do que em outras raças, embora essa não seja uma regra geral [1, 2]. Outras raças predispostas incluem Boston Terriers, Bullmastiffs, Cocker Spaniels, Bull Terriers, Staffordshire Bull Terriers, Labrador Retrievers, Golden Retrievers e Shar-Peis [2, 3].

Recorrência: É comum o aparecimento de novos mastocitomas na pele, que podem ser lesões novas e não metástases do tumor original. A decisão de submeter o animal a cirurgias consecutivas deve considerar a qualidade de vida [1].

Prevenção

Infelizmente, não há uma forma conhecida de prevenir o desenvolvimento de mastocitomas em cães, pois a maioria surge espontaneamente devido a mutações genéticas. No entanto, a detecção precoce é a chave para um prognóstico mais favorável. Tutores devem realizar exames regulares em seus cães, palpando a pele em busca de novos nódulos ou alterações. Qualquer massa suspeita deve ser prontamente avaliada por um veterinário. Além disso, manter uma alimentação equilibrada e proporcionar bons cuidados gerais de saúde pode contribuir para o bem-estar do animal e sua capacidade de combater doenças [2].

O mastocitoma canino é uma neoplasia complexa e multifacetada que exige atenção e conhecimento por parte dos tutores e profissionais veterinários. Embora sua imprevisibilidade possa ser assustadora, os avanços no diagnóstico e tratamento oferecem esperança e opções para melhorar a qualidade de vida dos cães afetados. A colaboração entre tutores e veterinários, a detecção precoce e a escolha do plano de tratamento mais adequado são pilares fundamentais para o manejo eficaz dessa doença. Ao estar bem informado e proativo, cada tutor pode desempenhar um papel vital na jornada de saúde de seu companheiro canino, garantindo que ele receba os melhores cuidados possíveis diante do mastocitoma.

Referências

[1] CHV Porto. Mastocitoma Canino. Disponível em: https://www.chv.pt/pt/unidades/oncologia/mastocitomas/detalhe.html

[2] Zooplus Magazine. Mastocitoma canino. Disponível em: https://www.zooplus.pt/magazine/caes/saude-do-cao-e-cuidados/mastocitoma- canino

[3] VCA Animal Hospitals. Mast Cell Tumors in Dogs. Disponível em: https://vcahospitals.com/know-your-pet/mast-cell-tumors-in-dogs

Imagens

  • Nódulo de Mastocitoma na Pele:

 

 

  • Múltiplos Nódulos de Mastocitoma:

 

 

  • Mastocitoma em região do rosto:

 

 

  • Mastocitoma em Cão (geral):

 

Imagem destaque Winsker por Pixabay